No post “A História de um Emblema” transcrevi excertos do escrito de Fernando Pimentel, onde ele nos descreve o quando e o porquê de ter desenhado o emblema da Académica. Nesse artigo ele diz também que o distintivo surgiu num ápice (…) animado pelo fervor académico que sempre entusiasmava a rapaziada do meu tempo (…) e com aquela inspiração que pelo menos uma vez na vida nos bate à porta e nos transforma em génios… mas nada adianta sobre a fonte de inspiração para tão belo trabalho.
Acredito que tenha sido num ápice. Mas diz o ditado que quem encontra sem procurar é porque já muito procurou sem encontrar. O que andaria então há muito na sua cabeça para que, num ápice, saltasse assim para a prancheta? Donde lhe terá vindo a ideia? E como evoluiu até à versão final? Primeiro a torre e depois as letras ou vice-versa? E o formato em “losango”? De onde lhe veio ideia tão bizarra?
E porque é que a torre do emblema original - vide cartão do Isabelinha - não tinha pau de bandeira, nem grades no topo, nem ponteiros no relógio, nem sinos, nem mais do que duas janelinhas, para desgosto dos designers de hoje que se engalfinham a esboçar-lhe variantes que não lhe acrescentam nobreza ou elegância alguma? – Ó Dr. Fernando Pimentel! Será que o senhor, que tão bem soube conceber o emblema, não sabia desenhar a torre como ela era? O senhor que, ainda por cima, passou pelas Belas Artes no Porto antes der vir cursar Medicina em Coimbra? Ou será que a torre era diferente àquela data? Ou será que era igual, o doutor sabia desenhá-la, mas por muito boas razões achou que assim ficava melhor?
Foi a procura de respostas para estas questões que me levou a Coimbra num dia de de verão, fazia o emblema 75 anos de idade.
Tendo já apurado que a torre, cuja construção custou 14:543$522 reis em 1733, não sofrera qualquer alteração no último século, e tendo na memória o que me fora em pequeno transmitido pelo meu Pai - que a mancha negra do emblema correspondia ao telhado dos Gerais - fui até ao Pátio da Universidade, na esperança de recrear o momento de inspiração do Fernando Pimentel. Ia certo de que a inspiração lhe viera ao contemplar o conjunto arquitectónico dos Gerais, em cuja escadaria não há estudante de Coimbra que não tenha posado para mais tarde recordar...
Eram 3 da tarde. Percorri debaixo dum sol implacável o espaço que vai da Porta Férrea ao centro do Pátio. Imaginei como felizes seriam os estudantes de 1927 por terem o pátio coberto de árvores frondosas. Olhei a torre e os Gerais, procurando ajustar o conjunto ao emblema. E aí…
... o espanto foi tanto que cheguei a julgar que era o sol a pino quem me toldava a vista. É que a chave do enigma não estava ali!!! Se o estudante de Medicina se tivesse inspirado na vista de dentro do pátio, o emblema seria outro, com a torre do lado esquerdo!… Afinal, para Fernando Pimentel havia uma outra tomada de vista, do lado de fora do pátio, diferente da que fica normalmente na retina de quantos estudaram em Coimbra.
Mas mal tinham começado os meus espantos. Saída a Porta Férrea na procura do “outro lado da lua”, constatei, então, que podemos percorrer toda a Coimbra sem mais encontrar a vista sugerida pelo emblema: a tal pendente do telhado dos Gerais subindo inclinada, a partir da torre, para o seu lado esquerdo. Estranho relevo este duma cidade que só permite tal visão a partir de dois pontos. Um deles no alto da Conchada, demasiado longe e difuso para poder ter inspirado quem quer que fosse. O outro, localizado nos últimos andares de meia dúzia de casas nas Ruas do Loureiro e da Boavista, na encosta a norte da Sé Velha, onde tenho boas razões para pensar que terá vivido ou, pelo menos, estudado, o autor do emblema, daí tirando a inspiração para o seu feito.
Não é fácil a um “louco de Lisboa” incomodar meio mundo na procura do melhor ângulo para uma chapa, seja da gateira do telhado num quarto de estudante, seja do cimo dum muro de quintal, seja a partir do Palácio de Sub-Ripas, seja duma janela nas traseiras da casa onde uma placa assinala a passagem de Eça de Queiroz enquanto estudante. Mas, uma vez aí chegados, à vista dos contrafortes daquilo que foi a antiga alcáçova de emires e morada dos primeiros reis de Portugal, é então que nos damos conta da verdadeira forma dos telhados circundantes da torre, onde reside, afinal, a chave para todos os enigmas:
• Os contornos do emblema terão sido inspirados pelo recorte do telhado poente (à direita na figura), o qual não é visível do interior do Pátio.
• O emblema terá sido inicialmente imaginado em losango, já que a pendente dos telhados (> 45º) a tal obrigaria.
• A forma final, quadrangular, poderá ter resultado da necessidade de dar mais estabilidade ao desenho e melhorar a estética geral do emblema.
• A torre, que já dificilmente cabia no losango, teria fatalmente de ser alterada nas suas proporções ao passar para o quadrado. E a forma mais elegante de o fazer seria estilizá-la e redesenhar a superestrutura, eliminado pormenores como as grades, o pau da bandeira e os sinos, os quais não mais conseguiriam ser arrumados no espaço existente sem ferir o equilíbrio do conjunto.
Nunca consegui confirmar se Fernando Pimentel viveu ou estudou numa das poucas casas (ou quartos) donde é possível desfrutar aquela vista. Mas depois de ter estado naquela janela… e de ter sentido a força da imagem da torre… tão perto, tão imponente, tão impressiva, juraria que foi dali que saltou a centelha que, no dizer de Fernando Pimentel, pelo menos uma vez na vida nos bate à porta e nos transforma em génios...
Zé Veloso